quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Promiscuidade mediático-judicial - Dr Marinho Pinto












Uma das debilidades mais perigosas do nosso Estado de Direito democrático reside na incapacidade de combater com eficácia a promiscuidade mediático-judiciária entre polícias e magistrados, por um lado, e jornalistas e órgãos de informação, por outro.
Essa perversão traduz-se, em muitos casos, em verdadeiros assassínios de caráter de cidadãos meros suspeitos de um crime que logo são apresentados publicamente como criminosos e que, não raro, mais tarde, são absolvidos em julgamento, ou seja, são ilibados quando podem contraditar perante um juiz as acusações policiais e do Ministério Público.
Alguns jornais e jornalistas sem ética e sem qualquer respeito pela deontologia do jornalismo prestam-se à tarefa de transformar simples suspeitos em perigosos bandidos - e fazem-no apenas com base nas dicas da Polícia ou de magistrado amigos, sem nenhuma investigação jornalística e sem sequer ouvir os visados.
Estes são logo julgados e condenados sumariamente perante a opinião pública por esses pseudojornalistas transformados em juízes, sem contraditório e sem nenhum respeito pelos seus direitos fundamentais ou sequer pelas leges artis da sua profissão.
Um caso que ilustra mais uma vez essa degenerescência do nosso Estado de Direito democrático acaba agora de ter o seu desfecho em tribunal com a condenação do Estado português a pagar quase 180 mil euros de indemnização por danos patrimoniais causados, por omissão, pela Polícia e pelo MP à empresa de um cidadão que tinha sido apresentado publicamente como criminoso.
Sintomaticamente, o jornal que fizera essa acusação e o julgara em público sem direito a defesa - o "Correio da Manhã" - calou-se e não escreveu uma linha sequer sobre a absolvição desse cidadão nem sobre a condenação do Estado pelos danos patrimoniais que os atos ilícitos da Polícia e do MP lhe causaram.
Em 30 e 31 de julho de 2008, a PSP apreendeu 69 veículos automóveis à empresa Autobenaventense, Lda., com sede em Benavente e propriedade de Armindo dos Santos Aparício. A apreensão inseriu-se numa ação policial a que foi dado o nome de "operação chicote" e que abrangeu a apreensão de cerca de 200 automóveis. Alguns dias depois, na edição de 6 de agosto, o jornal "Correio da Manhã" noticiou o assunto informando que "PSP recupera quase 200 carros".
Na mesma notícia, ocupando uma página inteira, o matutino de Lisboa titulava "9 detidos por roubos" e acrescentava: "mandavam furtar viaturas para reparar outras que recebiam nas oficinas de que eram proprietários. Depois, falsificavam as matrículas dos veículos furtados e colocavam-nos em stands". O "Correio da Manhã" explicava ainda em pormenor "como actuavam os ladrões" (sic).
Acusado de furto e de viciação de veículos, de falsificação de documentos e associação criminosa (o MP completa sempre o pacote acusatório com este último crime), Armindo dos Santos Aparício foi totalmente absolvido há cerca de um ano, não sem que antes tenha intentado uma ação de indemnização contra o Estado pelos danos que a PSP e o MP lhe causaram.
Essa ação veio agora a ser julgada parcialmente procedente, tendo o Tribunal de Benavente considerado que houve uma violação dos deveres de guarda das viaturas apreendidas, "uma vez que - frisou - foram restituídas em estado de degradação". Salientou também que ao MP e à PSP, enquanto depositários dos veículos, cabia providenciar pela conservação dos mesmos, tendo considerado essa omissão como uma atuação ilícita e culposa, "porquanto era exigível aos responsáveis pelo depósito dos veículos que (...) zelassem pelo bom estado de conservação dos mesmos, o que (...) não fizeram".
Assim, o tribunal condenou o Estado português (pois MP e PSP atuaram em sua representação) a pagar à Autobenaventense a quantia de 177 009,52 euros a título de danos patrimoniais causados, nomeadamente pela desvalorização e pela necessidade de reparação dos mesmos.
Curiosamente, o "Correio da Manhã", que chamara ladrão ao cidadão em causa, remeteu-se agora a uma atitude de completo silêncio, bem típica daqueles jornais que não deixam nunca que a verdade dos factos lhes estrague o que eles próprios consideram uma boa notícia.

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